Nos primeiros meses de 2018, discussões em torno das rádios comunitárias têm sido intensificadas no meio político brasileiro. Em abril, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática aprovou o projeto de lei de autoria do senador José Hélio (Prós-DF) que permite o aumento de 25 para 300 watts de cobertura dessas rádios. Esse projeto prevê ainda o aumento de canais onde elas podem atuar, passando de um para três.
João Paulo Malerba é pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, faz parte do Centro de Imprensa, Assessoria e Rádio no Rio de Janeiro e é integrante da Associação Mundial de Rádios Comunitárias. Ele explica que apesar dos avanços em relação à discussão sobre o aumento do alcance, as limitações de potência para esses meios podem ser bastante problemáticas:
“Quando você tem por exemplo uma comunidade indígena, que tem extensões territoriais muito grandes, essa limitação de potência, ela é muito complicada porque dependendo do alcance territorial, você vai precisar de uma potência maior ou menor. A lei 9.612 de Radiodifusão Comunitária no Brasil estabelece desde sempre 25 watts de potência que é um alcance muito limitado, a AMARC historicamente defende a não limitação de potência”.
E esta é uma das diversas questões em torno das reivindicações das rádios comunitárias no país. Como aponta Rosa Gonçalves, ativista dos movimentos sociais e comunicadora da Rádio Comunitária de Independência, no interior do Ceará:
“É fruto de muitas lutas das rádios comunitárias, dos comunicadores comunitários que a gente vem ao longo desses anos fazendo com que haja uma nova legislação, nós queremos uma nova lei sem burocratizar seu processo de outorga, que tenha investimento público e que possa funcionar sem limitação na sua potência”.
Outra questão bastante comum no Brasil é o controle dessas rádios por políticos, religiosos ou titulares de órgãos públicos. O pesquisador João Paulo Malerba explica que esse vínculo pode influenciar desde o processo de outorga da rádio à produção de conteúdo:
“Tendo em Brasília um deputado, o que acontece é que você consegue despachar os processos, toda essa burocracia tão grande consegue ser acelerada justamente por aqueles que tinham algum vínculo com deputados, algum vínculo político. Isso gerou uma descaracterização bastante perigosa porque acabou vinculando as rádios comunitárias à determinados partidos ou políticos específicos, quando a rádio comunitária por princípio deve manter a pluralidade de ideias, inclusive de ideias políticas. Outra realidade que a gente encontra são rádios aparelhadas por igrejas, ou seja, a rádio acaba sendo um espaço para um altar religioso em vez de ser um espaço para a comunidade”.
Por conta disso, em abril de 2018, uma portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações proibiu o vínculo dos dirigentes de rádios comunitárias com políticos, religiosos, titulares de órgãos públicos, ou participar de outra entidade detentora de outorga do serviço. Além disso, não permite que a diretoria tenha metade dos membros da mesma família.
Rosa Gonçalves relata que nem sempre esse vínculo pode ter uma influência negativa no processo de comunicação. Ela exemplifica através de sua própria experiência com a rádio comunitária de Independência:
“Ela foi uma ideia de um padre, no entanto, como o padre ele é muito democrático, trabalha muito a partir das comunidades, então a gente tentou fazer com que ela não fique vinculada à igreja católica, mas que seja a própria comunidade que exerça esse direito”.
Mas apesar dessas questões, no dia 16 de maio, o Supremo Tribunal Federal autorizou o proselitismo em rádios comunitárias. Isso significa que a veiculação de programas com conteúdo doutrinário passa a ser permitido por lei. João Paulo Malerba chama atenção para essas decisões:
“A gente tem que desconfiar que na verdade essas duas medidas combinadas, elas vão favorecer justamente o proselitismo político e religioso de rádios que já existem, que já foram criadas dentro dessa área. Historicamente no Congresso Nacional, ainda que seja proibido pela constituição, tem vários congressistas que são donos diretos de emissoras de rádio e de TV, então essa combinação da combinação do proselitismo e do aumento de potência talvez venha a favorecer congressistas, e como temos algumas denominações religiosas que já tenham concessão e que vão se favorecer da combinação desses dois elementos”.
E dessa forma, João Paulo reforça a preocupação com a desconfiguração do papel das rádios comunitárias que é de oferecer uma comunicação plural e que dê voz às suas respectivas comunidades.
Reportagem de Lucas D’paula com orientação de Carolina Areal.