02/05/18

A arte do grafite

"A minha arte é política e o que quero é contar as histórias das mulheres que vivem ao meu redor, espalhar as lutas do feminismo e incentivar que cada vez mais mulheres tomem seus lugares nos espaços públicos", afirma a grafiteira Raquel Santos (Foto Arquivo Pessoal)

Nos dias atuais, não é difícil para quem circula pelas ruas de Fortaleza se deparar com figuras verbais ou não verbais, de formas mais ou menos elaboradas, estampadas em diversos ambientes da cidade. A origem do grafite é remota, vem do Império Romano, no qual havia o costume de escrever manifestações de protestos com carvão nas paredes de construções. Porém, o grafite que conhecemos hoje remete ao final da década de 1960, quando jovens do Bronx, bairro de Nova Iorque (EUA), usavam spray e a cidade para propagarem a sua mensagem.

Quando o DJ estadunidense Afrika Bambaataa criou o termo hip hop e deu as bases técnicas e artísticas, designou 4 pilares: o Rap, o DJ, a Breakdance e o Graffiti. Com a necessidade de se explorar os espaços, o grafite se mostra desde a sua origem até os dias de hoje como uma voz de resistência. É isso que a professora do curso de Design da UFC, Anna Lucia dos Santos Vieira e Silva reforça. “Trata-se de uma ação de um grupo social prioritariamente jovem que quer ter voz e espaço no ambiente urbano".

A arte feita na rua é uma busca anárquica sobre identidade e pertencimento, além de apropriação do espaço público. É assim que o grafiteiro Junin RAM descreve o seu trabalho. “Meu trampo é a mensagem. Digamos que uma mensagem de resistência, de revolução. No meu trampo, costumo ser livre, quebro barreiras, não me importo com propriedade, gosto de quebrar regras, ignorando a sociedade e os padrões que ela impõe”.

"O pixo costuma ser monocromático e textual, representa uma assinatura, chamada também como "tag". É como se fosse uma marcação de território que se dá por um "eu sou" na cidade. Já o grafite costuma ser colorido e elaborado, feito por imagem, um desenho representativo de um pensamento, um conceito", afirma Anna Lúcia

"O pixo costuma ser monocromático e textual, representa uma assinatura, já o grafite costuma ser colorido e elaborado, feito por imagem, um desenho representativo de um pensamento, um conceito", afirma a professora Anna Lucia (Foto Medium/Reprodução Internet)

Grafite x Pixo

Ao contrário do pixo, o grafite tem se tornado cada vez mais aceito pela sociedade. Para a grafiteira Raquel Silva, há diferenças de intencionalidade entre as duas. “O pixo não quer ser reconhecido artisticamente e sim como arte das ruas, contraventora e contestadora, por isso também há uma diferença estética. O grafite muitas vezes é usado como ornamento e higienização”. Desde 2011, o grafite não é considerado crime ambiental, já o pixo continua à margem da lei e sua pena é de três meses há um ano e se for um monumento ou patrimônio tombado a pena aumenta mais seis meses.

Feito de forma monocromática e textual, como uma assinatura, o pixo esteticamente se difere do grafite que geralmente é bastante colorido, feito por imagem, um desenho representativo de um pensamento, um conceito. Para a professora Anna Lúcia, o pixo representa uma assinatura, chamada também de tag e o grafite tem na sua identidade o desenho. Junin RAM vê que a principal diferença é apenas na estética. “Nas duas culturas, o escritor tem o objetivo de se manifestar, e o grafite começou fazendo isso ilegalmente, assim como o pixo faz até hoje”.

A arte feita na rua é uma busca anárquica sobre identidade e pertencimento, além de apropriação do espaço público (Foto Arquivo Pessoal)

"A arte feita na rua é uma busca anárquica sobre identidade e pertencimento, além de apropriação do espaço público",  reforça Junin RAM  (Foto Arquivo Pessoal)

Das ruas para as galerias

Ganhando as galerias de arte do mundo todo, esse reconhecimento que o grafite vem conquistando gera recursos e possibilidades, mas também tem seu lado negativo. Junin RAM aponta que muitas pessoas estão se aproveitando do movimento para ganhar nome. “Muitos dos artistas que estão pintando dizendo que fazem grafite, nunca fizeram grafite, na verdade eles fazem pinturas com tinta spray, o que é totalmente diferente. Graffiti não é apenas uma pintura, grafite é uma cultura”, diz Junin RAM.

Já para Raquel Santos, a maior problemática é a falta de contestação.“O lado ruim é quando perde seu sentido político, e boa parte disso é estar na rua, acessível para todos”.  A rua, de certo modo, seria um pré-requisito para a sua existência, o espaço concreto onde se realiza. A professora Anna Lúcia diz que esse sentido está na semântica do termo. “Em inglês, street art não tem o pronome de que dá o sentido de pertencer, como em português, arte de rua, para a rua ou com a rua, mas apresenta uma qualidade da art, se entendermos a antecedência da palavra street como um adjetivo”.

Apesar do reconhecimento, ainda há conflitos entre grafiteiros, moradores e polícia. Tanto Raquel quanto Junin já tiveram problemas para fazerem a sua arte. Ao contrário da arte pública oficial, como um monumento erguido pela prefeitura por exemplo, o grafite compila uma série de intervenções provisórias, transitórias e diversas.

A qualquer momento alguém pode apagar ou pixar a sua arte. Mas a efemeridade não é tão ruim como pode-se imaginar, para Raquel o que importa é a mensagem passada. “Se atingir ao menos uma pessoa, nem que seja a que se incomodou a ponto de cobrir, já valeu”.

Tags:, , , , ,

Deixe uma resposta

*