20/11/17

Representatividade feminina nos livros de História

Segundo levantamento do portal Gênero e Número, as mulheres representam menos de 10% dos personagens nos livros didáticos de história. Na imagem, Princesa Isabel, um desses personagens (Foto: Reprodução/Internet)

Segundo levantamento divulgado com exclusividade pelo portal Gênero e Número, as mulheres representam menos de 10% dos personagens nos livros didáticos de História. A coleção utilizada como base para a pesquisa foi História, Sociedade e Cidadania, escrita por Alfredo Boulos Júnior e distribuída pela Editora FTD. Na coleção, que é a mais distribuída para as escolas públicas pelo Programa Nacional do Livro Didático, dos 859 personagens que são mencionados, 789 são homens e apenas 70 são mulheres.

Alline Mikaela Pereira, pedagoga e mestre em educação pela Universidade Estadual de Maringá, explica porque isso acontece:

“Existem muitas possibilidades que explicam o fato da mulher não aparecer nos livros de História. Uma delas, que eu trato no meu trabalho, é pensar que essa ciência retratou, ao longo da história, apenas os feitos dos homens, e de grandes homens, de características determinadas: homens brancos, europeus, elitizados, e essa é uma das causas. Nesse contexto, a mulher enquanto gênero feminino é praticamente anulada da escrita da história. Nós tivemos contribuições muito significativas, e tão importantes quanto a dos homens, mas as contribuições registradas são apenas a dos homens.”

O livro didático tem um importante papel na manutenção dos valores de uma sociedade. Quem destaca o fato é Letícia Mistura, graduada em História e mestranda em educação pela Universidade de Passo Fundo:

“O livro didático tem sido utilizado historicamente no Brasil como um instrumento de ensino e veiculação de uma narrativa específica sobre o Brasil. E ele foi utilizado e esteve a serviço do interesse de uma esfera política em diversas épocas. Assim, por exemplo, vinha apresentar uma representação exemplar do passado, para a formação de uma identidade nacional estrita, unificadora. Então, nesse ponto, o livro esteve vinculado à escrita da história da época.”

Outro problema que também deve ser questionado é que geralmente, quando as mulheres aparecem, ocupam papéis secundários, sem grande destaque. Amália Rambaldi é especialista em Metodologia do Ensino de História e Geografia pelo Centro Universitário Internacional (Uninter). Ela aponta como as mulheres são retratadas nesses livros:

“Se nós colocarmos as mulheres de modo fracionado, fragmentado, a gente vai continuar anulando a representação dessas mulheres no coletivo da humanidade, porque as mulheres ainda aparecem como coadjuvantes, elas desempenham um papel de menor função. Quando aparecem, mostram elas ajudando os homens em algumas tarefas, ou assumindo uma posição que é considerada inferior àquele sexo oposto, então esse papel de protagonismo histórico ainda é negado às mulheres.”

A coleção utilizada como base para a pesquisa do portal Gênero e Número foi História, Sociedade e Cidadania, da Editora FTD (Foto: Reprodução/Internet)

A coleção utilizada como base para a pesquisa do portal Gênero e Número foi História, Sociedade e Cidadania, da Editora FTD (Foto: Reprodução/Internet)

Um exemplo disso é demonstrado pelo portal Gênero e Número. Segundo a pesquisa divulgada pelo site, 75% das mulheres retratadas nos livros de História só são apresentadas por causa de seus parentescos com homens.

A mestranda em educação Letícia Mistura cita quais consequências a baixa representatividade feminina nos livros didáticos pode ter nas salas de aula:

“Se não há espaço para a veiculação das discussões que colocam em pauta as relações de gênero nos ambientes escolares, esse espaço onde as crianças e os jovens se desenvolvem culturalmente, socialmente, ele fica fragilizado de forma geral, porque ele amputa, ele tira dos próprios estudantes a chance para que eles se desenvolvam como cidadãos.”

A especialista em Metodologia do Ensino de História e Geografia Amália Rambaldi também destaca que o aluno precisa ter contato com a diversidade para que sua visão crítica seja desenvolvida:

“Se o livro didático marginaliza, exclui a mulher como sujeito histórico, ele acaba contribuindo para formar cidadãos com posturas e comportamentos discriminatórios, sendo que o livro didático deve contribuir para ajudar na construção de uma sociedade igualitária, onde a mulher seja vista como parte constituinte do processo histórico. Então, se isso não acontece, a gente contribui para a desigualdade. É preciso que a gente conduza o aluno a uma reflexão crítica acerca da história das mulheres."

Já que uma grande mudança nos livros didáticos não é uma solução possível, Amália destaca que a internet pode ser uma ferramenta de auxílio aos professores:

“Têm bastantes relatos que a internet possibilita que a gente encontre, para a gente não ficar somente no livro didático, e trazer uma outra história, trazer uma outra postura, como as mulheres se escreveram na história, e não como os homens contaram que elas eram participantes na época. É preciso que o professor busque, problematize, porque se o professor fica só no livro didático, só incorpora aquilo que está escrito, ele não vai trazer nenhum questionamento. A História vai sendo ensinada como é retratada no livro e a gente sabe que é preciso questionar.”

A discussão sobre a representação feminina nos livros didáticos é importante porque, a História, enquanto ambiente de contestação da realidade, não pode reiterar valores excludentes.

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